sábado, 22 de novembro de 2014

Alegria, alegria, energia!

Boa tarde queridos...
Retornando então a cronologia dos fatos:
Há mais ou menos dois meses iniciei um período muito bom, até bom demais pra ser verdade. Rs
Comecei com insônia, mas meu corpo não sentia falta do sono, acordava cedo, ia trabalhar super cedo, muito comunicativa, social e eficiente no hospital.. Estava gastando cerca de 3h pra fazer um serviço que geralmente levo 7h para fazer.
Opa... Não demorou pra eu perceber que não estava normal, já conheço tudo isso e logo identifiquei que era uma fase de hipo-mania / euforia iniciando.
Fiquei um pouco receiosa pq sei muito bem o abismo que se abre quando toda essa animação passa. Mas me sentia tão bem que nem pensava mais nisso.
Comprei uma impressora, comprei um violão, cozinhava todos os dias coisas diferentes, pesquisando mil receitas, muitas vezes cozinhando com tanta vontade que nem dava conta de comer muito. Arrumei um professor de violão particular, voltei a desenhar, pintar, e quando percebia estava fazendo mil coisas ao mesmo tempo! Me sentindo maravilhosamente bem como há tempos não sentia!!
Mas o ciclo é cruel, e o preço é alto. Essa tal euforia nos custa muito caro, e em poucas semanas começei a pagar com as lágrimas, as angústias, os pensamentos ruins!
Odeio essa sensação de perda de controle, a "queda" é muito forte, há alguns dias eu me sentia ótima, uma médica competente, uma pessoa agradável e querida e agora havia levado um tapa na cara da realidade: comecei a ficar sem energia, sem vontade, fraca, uma péssima profissional, um peixe fora d'agua, um alien.
Levantar da cama passou a ser um tormento, não por dificuldade de acordar cedo (nunca tive problema com isso) mas por falta de energia mesmo, sensação de estar pesando uns 200kg (e não deve ta tão longe disso), desânimo, falta de vontade para trocar de roupa, pra tomar banho, pra comer... E passei a me alimentar apenas de iogurte e sucrilhos, com longos períodos de jejum e é óbvio que isso tambem contribuia para eu estar cada dia mais fraca e com mal estar. Mas eu não conseguia preparar nenhum alimento, nem ir ao supermercado, já não conseguia mais arrumar a casa, que ficou caótica mesmo tendo uma faxineira uma vez na semana. Era difícil até voltar com a toalha pro banheiro.
Crises de choro sem fim. Uma angústia devastadora, uma dor na alma indescritível!!! Pq eu estava assim? Não tinha acontecido nada demais para desencadear tanta tristeza, mas as frustrações do dia-a-dia normais me afetavam muito. Coisas pequenas se tornavam gigantes. Até um bom dia não respondido era motivo pras lagrimas escorrerem.
A vontade de morrer voltou, voltou forte, tentava tirar isso da cabeça de todas as maneiras possíveis, tentava pensar nos pontos positivos da vida, minha família, meu namoro, minha carreira.. Mas isso não estava sendo suficiente pra afastar esses pensamentos. A coisa foi evoluindo, me dominando, me peguei planejando várias oportunidades pra me matar, mas caía no choro. Não queria pensar nisso. Nao queria estar assim. Mas nada que eu tentava aliviava. Pedi socorro a Deus, Ele parecia nao ouvir. Resolvi passar o fim de semana na minha cidade, talvez fosse uma boa maneira de aliviar tudo isso...
Minto quando disse que Deus não me ouviu... naquele dia Ele colocou uma pessoa que me pediu carona até a minha cidade. Agora eu tinha uma pessoa comigo no carro, teria que dirigir com cuidado, jamais colocaria a vida de outra pessoa em risco. E dirigi calmamente, chegando sem intercorrências.
O fim de semana prometia ser bacana, todo mundo feliz com minha chegada, com mil planos e eu mais uma vez chorava por dentro. Meus irmãos fizeram um churrasco, convidaram amigos, compraram bebidas, desci pra 'marcar presença' e não ficar de chata, fiquei cerca de 30min e subi para o quarto alegando dor de cabeça e sono. Do quarto ouvia as risadas, as conversas animadas, sempre gostei tanto de participar de tudo isso. E começei a pensar em tanta coisa que eu não estava dando conta de fazer. E mais crises de choro, até soluçar e dormir.
No outro dia acordei, arrumei minhas coisas, queria viajar mais cedo.. Pra ficar um pouco sozinha, além de eu estar sendo uma péssima companhia, sentia que estava deixando as pessoas preocupadas por mais eu tentasse não transparecer nada. Não funcionou. Meu irmão mais velho me chamou no quarto, perguntou o que estava acontecendo, disse que me conhecia e tava percebendo que eu nao estava bem, eu disse que estava tudo bem. Ele perguntou se eu estava bem para dirigir, eu disse que sim. Ele insistiu que eu não estava bem, que não iria me deixar dirigir e o abracei forte em crise de choro novamente. Ele colocou minhas coisas no carro e viajou comigo dirigindo o meu carro. Ficou comigo uns dois dias, eu ja estava mais tranquila, tinha acrescentado mais um antidepressivo recomendado por aquele meu amigo psiquiatra. E ai meu irmão pegou o onibus de volta........

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Uma doente mental querendo cuidar de outros doentes mentais

          Com o tempo, comecei a sentir falta do resto da medicina... psiquiatria é uma coisa muito a parte e específica, meio isolada, mesmo que não deveria ser. Já não levava nem estetoscópio para os atendimentos, e clínica médica é uma coisa que se esquece muito rápido se não estiver sempre em contato. Resolvi então começar a dar plantões no pronto-socorro de um dos grandes hospitais da cidade, era uma forma de me manter estudando, manter o mínimo de conhecimento geral que um médico tem quando sai da faculdade. Acho que meu caminho foi ao contrário, poucos saem restringindo seus conhecimentos a uma área específica, ainda mais em psiquiatria (que muitos nem consideram medicina). O comum é o recém formado continuar mantendo sua atuação e seus estudos na medicina geral, até porque para serem aprovados na prova de residência é necessário esse conteúdo abrangente, as questões não são específicas da área que você pretende seguir.
        Não sei se tudo isso que estou dizendo era o que eu realmente pensava ou se era uma forma de arrumar uma justificativa para mim mesma e para aqueles que estavam próximos de mim, porque toda vez que falava que eu estava desanimada com a pós-graduação de psiquiatria, que estava querendo desistir, todos a minha volta se desesperavam, talvez reflexo de tudo que passaram comigo no passado. Mesmo não morando mais com eles, minha família estava percebendo que as coisas não iam muito bem. Minha mãe viajou para visitar igrejas famosas por "milagres", fez rituais para a minha "cura" e era desesperador para ela sentir que eu estava ficando diferente novamente.
      Não queriam deixar que eu largasse tudo, e começou novamente o inferno. E mesmo que eu falasse que eu não estava mais animada com aquilo, que minhas expectativas quanto a pós-graduação não estavam sendo satisfatórias, que o curso estava fraco, que mesmo depois que eu me formasse não seria psiquiatra, que a única vantagem do curso seria pontos para quando eu tentasse a prova de título, e que mesmo assim a associação brasileira de psiquiatria só permite tentar a prova com 5 anos de formado. Tentei argumentar que fazer uma residência médica é essencial para uma boa formação, que faz toda diferença na carreira, que eu ia tentar estudar, voltar pro medcurso pra começar a tentar as provas ano que vem. Era algo muito difícil, a concorrência é maior do que a do vestibular e as provas não são específicas.
    O medo que eles tinham de eu estar tomando uma decisão precipitada era maior do que qualquer argumento, falavam pra eu terminar primeiro a pós-graduação pra depois não correr o risco de arrepender. Eu e minha mania de começar as coisas e não terminar, dizem que é característica do transtorno bipolar, já eu, acho que é covardia mesmo e medo da vida.
     Mas o destino brinca com a gente... abriram inesperadamente inscrições para o processo seletivo unificado de MG de residência médica de vagas remanescentes e a data da prova iria coincidir com a data que eu estaria em BH, na pós graduação. Angustiada e transtornada resolvi me inscrever, mas também não sabia o que queria tentar... Infectologia? Clinica médica? Cirurgia? Anestesiologia? quanta angústia. acabei optando por clínica médica porque é pré-requisito para muitas outras especialidades que também me interesso como cardiologia, pneumologia, oncologia, geriatria, medicina intensiva... etc.. e optei também por Infectologia por ser bem parecido com clínica, ter muita relação. Enfim, quando cheguei no local da prova tive uma crise de pânico, fiquei gelada, suando, com sensação de que ia desmaiar ou morrer, queria sair correndo dalí. prova difícil, saí de lá me sentindo idiota por inventar tanta coisa na minha cabeça. Querer tanto e nada ao mesmo tempo. Tudo isso não pode ser consequencia do transtorno bipolar, não posso colocar a culpa de tudo nele. Tenho que admitir minhas covardias e limitações.
      O resultado me surpreendeu muito, fiquei na lista de espera de 3 lugares, mas bem colocada. Fui chamada para o hospital de infectologia, quanta alegria! A felicidade e orgulho do meu pai me emocionaram, nunca tinha visto uma reação dessa vindo dele. Minha mãe comemorando como se fosse um vestibular. O hospital deu o prazo de 48h para me matricular. No mesmo dia minha mãe pegou o onibus comigo, era uma cidade desconhecida, distante, mas aparentemente bacana, com boas opções de lazer, seria interessante morar alí. A primeira impressão foi boa. No dia seguinte fui cedo ao hospital, o chefe queria que eu começasse a trabalhar no próximo dia de manhã, achei uma loucura, não teria como, não tinha levado nada pra ficar. Não me senti bem acolhida pelos R2 (residentes do 2º ano), já foram me passando escala de plantões, aulas, atendimentos, quanto desespero para um dia só. Minha mãe estava me esperando na porta do hospital e quando viu minha cara começou a acender um cigarro atrás do outro. Eu não conseguia falar uma palavra sequer. Ela também não. Fomos em silêncio até o hotel. Minha cabeça estava a mil, meu coração dizia que eu não deveria ficar, ao mesmo tempo a razão dizia que eu não poderia perder essa chance. 
       Conversei pouco com minha mãe, não consegui falar muito, só disse que não sabia se eu ia dar conta de ficar alí. Minha mãe fez uma cara de decepção que cortou meu coração, falou que eu não podia desistir, que Deus não me daria outra chance dessa, e ela tinha razão, ser aprovada numa residencia médica, tão difícil, sem estudar era quase mesmo que um milagre, provavelmente isso não aconteceria novamente. Fui tomar um banho, chorei muito, me senti péssima, sentia que estava perdendo o controle da vida, estava perdida, sem rumo, sem saída, tive vontade de correr, me cortar, de conseguir uma forma de aliviar tanta angústia, de acalmar meus pensamentos. Saí do banho e conversei com minha mãe, eu era a 2ª colocada da lista de espera em outro hospital, em outra cidade, mais próxima da minha, cidade que eu já conhecia e para a especialidade de clínica médica. O prazo para convocação da lista de espera terminava no dia seguinte, depois de tanto pensar, decidi que eu iria aguardar até o próximo dia, se eu fosse chamada para esta outra cidade eu iria. Caso contrário, eu iria cancelar a matricula dali e desistir de cursar residência por enquanto. 
      Minha mãe não respondeu, foi até o telefone, pediu autorização do hotel para uma chamada interurbana, disse que tinha sido intuída a ligar para o hospital em que eu estava em 2ª colocação. Morri de vergonha, se eu tivesse que ser convocada, entrariam em contato, não o contrário, ligar pra lá iria parecer praticamente pedir a vaga. Para minha surpresa, a pessoa que atendeu o telefone disse que estava tentando entrar em contato comigo há mais de 24h, para me chamar. ligava para o telefone fixo da minha casa e ninguém atendia e eu não havia deixado contato de celular, que ela já estava desistindo e já ia ligar para o próximo da lista. 
     É, parece mesmo ter sido Deus, ter sido coisa do destino, não existem tantas coincidencias e sortes assim, eu não podia deixar a depressão se fortalecer, a vida parecia dessa vez estar a meu favor. Agora teria que pegar o onibus de volta depressa para chegar até a outra cidade no dia seguinte a tempo de me matricular. E dessa vez, independente da minha impressão do hospital, independente dos meus pensamentos descontrolados eu teria que ficar. Foi a promessa que eu fiz......

Os pensamentos....

         Vou iniciar este texto respondendo as perguntas que deixei em aberto na última postagem...
Desde a formatura estava sem tomar nenhum medicamento. A gente tem mania de achar que os problemas são resolvidos com as 'conquistas terrenas'. Por muitos anos pensava dessa maneira: que eu seria feliz depois que eu conseguisse chegar na formatura, que eu conseguiria cuidar das pessoas necessitadas, que esta profissão me faria muito feliz e realizada, que com o tempo eu conseguiria minha independência financeira, conseguiria sair da casa dos meus pais, conseguiria comprar um apartamento, um carro, conseguiria me casar e ter uma família.
         De fato consegui alcançar alguns desses sonhos. E percebi que sair de casa, montar um apartamento, mesmo que alugado foi muito bom, aprendi a me virar sozinha em várias coisas, aprendi a lidar com gastos, me sustentar sozinha, afazeres domésticos, ser mais resolutiva, ter menos medo da sociedade, já que até então era minha mãe que resolvia tudo e não me preocupava.
        Logo comprei meu primeiro carro, em longas parcelas, e tive orgulho de ver os frutos da minha dedicação ao trabalho. Ainda não consegui comprar um apartamento, mas me casar pretendo em breve.
       Como eu disse, todas essas coisas foram marcantes na minha vida, mas não foram a solução de tudo. Quem dera a vida fosse tão fácil assim e a felicidade estivesse nesses fatos. Viver dói. E a cada dia doía mais. Não sabia porque, ou na verdade sabia mas não tinha coragem de reconhecer que era a instabilidade do transtorno bipolar novamente. Não, isso não era possível, por muito tempo não pensei nele e ele não mais existia para mim. Mas ele não me esqueceu, esteve me cutucando o tempo todo, procurando várias formas de me chamar a atenção, de me atingir, e eu continuava fingindo que ele não estava ali.
       Já estava há quase um ano no CAPS, tinha um psiquiatra que me ajudava muito, me dava força para seguir na psiquiatria, que eu tinha "jeito", de fato meu desempenho me agradava, conseguia bons resultados (dentro do possível) com meus pacientes. Uma amiga psicóloga me convidou para avaliar alguns pacientes dela em seu consultório, e quando percebi, já estava com clientes particulares e dividindo o consultório com ela. Realmente tive um certo destaque em pouco tempo de atuação (e só consegui perceber isso hoje, relatando os fatos). 
      O Consultório na rua era cansativo, rodar a cidade atrás de moradores de rua para atender, realizar as consultas sentada na calçada, debaixo do sol, estar no ambiente deles, vê-los fumando crack na nossa frente, bebendo, brigando por um cobertor, assistir de perto o medo e preconceito da sociedade. Ouvir tantas histórias difíceis de vida e entender o motivo de estarem na rua, o motivo de se prostituirem, o desespero do vício da droga, da fissura, saber que por tras de tanta coisa "absurda" aos nossos olhos existem seres humanos, com sentimentos, com dificuldades extremas. 
      Mas eu gostava, me sentia útil, sentia que fazia alguma diferença, mesmo que pequena na vida daquelas pessoas, que no início nos recebiam receiosos, desconfiados, tentavam ser hostil, nos desafiar, mas com o passar dos dias aprenderam a confiar na gente. 
     Era gratificante ver o sorriso deles quando avistavam o carro da equipe, a preocupação de conseguirem um pedaço de papelão pra gente sentar sem se sujar. Tive a oportunidade de fazer o pré-natal de algumas delas, pegar seus bebes no colo. Tratei sífilis congênita em recem-nascido, tratei abstinência em gestantes, tratei feridas de agressões físicas, tratei esquizofrenia, depressão, sarna, tuberculose, HIV, infecções de pele imundas, cheias de larvas. Era uma equipe fantástica, topavam de tudo, desde perseguir e segurar um paciente em surto no meio da rua para ser medicado, até levá-los para tomar banho. Apesar da exaustão física, me fazia um bem danado pra alma, fico feliz que a equipe ainda contínua.
     Claro, nem tudo é lindo assim, lidar com esse tipo de paciente é perigoso, sofri ameaças, agressões verbais, perseguições. Com o tempo, tudo foi tornando-se extenuante, e as crises vieram. Crises de choro, desânimo, ansiedade, insônia, vontade de desistir de tudo, não tive mais coragem de voltar na minha psiquiatra, comecei a tomar um antidepressivo por indicação daquele meu amigo psiquiatra do CAPS, cheguei na dose máxima para dar conta de tudo, mas não conseguia controlar minhas alterações do humor, passei a implicar com a equipe de trabalho, a perder a paciência com os pacientes que iniciavam uma melhora, iam muito bem e depois abandonavam tudo e voltavam para o vício do alcool e das drogas. Quem sou eu pra criticar isso...rs. quantas vezes senti isso na pele... com eles não seria diferente, não podia ser, porque este é a parte mais difícil da saúde mental, muitas vezes voce consegue melhorar um paciente e estabiliza-lo, mas cedo ou tarde vem as crises, as recaídas, parece maldição.
     Não podia mais continuar cuidando da saúde mental dos outros se nem a minha estava indo bem........
     

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

De volta...

       Boa tarde, gente. Depois de muito tempo resolvi voltar a escrever. Peço desculpas pelo sumiço, irei responder os e-mails com calma gradativamente.
       Meu último post foi sobre a formatura, irei atualizá-los dos fatos ocorridos desde então. Formei em dezembro/2012 e comecei a trabalhar no SAMU, não durou muito tempo pois não consegui conciliar os horários com outro emprego. Então pensei que deveria passar por uma experiência diferente, fui trabalhar no interior,  na verdade interior do fim do mundo. rsrs. Mais de 300km da minha cidade, um lugar muito carente, de difícil acesso, não existe nem linha de ônibus da minha cidade para lá. 
       Comecei trabalhando com saúde da família em um posto de saúde bem distante (costumo brincar que era a zona rural da zona rural), o carro da prefeitura me buscava todos os dias, gastavamos cerca de 1 hora e 10min numa estrada de terra, em péssimas condições, perigosa, enormes buracos, uma região muito quente, sol forte que nenhum protetor solar dava conta, até parei de usar roupa branca afinal eu chegava no local de trabalho suja, cor de terra. E quando chovia era ainda pior, pois toda aquela terra fofa virava lama.
       Enfim, voltando a falar do meu trabalho, eu era obrigada a atender de 25 a 30 pacientes por dia, em um local que não oferecia a menor estrutura, rezava todos os dias para não chegar nenhum paciente grave, que morreria nas minhas mãos sem eu poder fazer nada diante da falta de medicamentos e equipamentos.
       A prefeitura oferecia "almoço" já que não dava tempo de retornar a cidade e voltar a tarde. Este almoço era servido em uma casinha simples de uma moradora do local, sendo basicamente arroz, feijão e macarrão, vez ou outra tinha carne, ensopada na gordura que já encontramos insetos como parte do tempero. rsrs. Mas isso não é nada comparado ao cardápio de frango ensopado com a cabeça inteira, olhos e bico na panela e os pés com as unhas sujas de terra cozidas junto com as outras partes da galinha na panela.
       Voltando novamente ao assunto, havia ainda as consultas domiciliares, que era necessário subir pedras, passar por matos, atravessar pingela (um tronco de árvore utilizado como ponte de um lado ao outro do riacho) para chegar até a casa de pacientes acamados, debilitados que não tinham condições de ir até o posto de saúde. Não sei por qual o motivo, o índice de transtornos mentais desses lugares era bastante alto, algo que realmente chamava atenção e me interessava cada vez mais.
       Terminava o expediente exausta e pensativa quanto as condições precárias de saúde daquela população, mais 1hora e 10min para chegar na cidade era o suficiente para filosofar bastante. Não tinha coisa mais preciosa que chegar e tomar um banho demorado, lavar o cabelo cheio de terra, só de passar o dedo no ouvido saia areia. Aprendi a dar valor a estas pequenas coisas: um banho sossegado, um prato de refeição mesmo que simples mas bem preparado, uma cama confortável. E outras coisas como a tecnologia de um celular, internet. Não havia nada disso alí. Muitas vezes tinha medo de acontecer algo e eu estar incomunicável naquela comunidade no meio da terra, cercada de eucaliptos. 
       Os dias se passaram e eu senti necessidade de me aperfeiçoar melhor para atender os transtornos mentais daquelas pessoas, decidi iniciar um curso de pós graduação em psiquiatria uma vez por mês na capital. Me encantava cada vez mais o mundo da psiquiatria, que apesar de triste, oferece meios de aliviar a dor, seja através de remédios ou da escuta. Conhecia muito bem o poder de um tratamento bem feito, o quanto isso pode ser decisivo na vida do paciente.
     Foi quando então fui chamada para trabalhar novamente na minha cidade, no CAPS e em projeto chamado Consultório na Rua. Fiquei feliz e orgulhosa, ainda nem tinha terminado minha formação na psiquiatria e já estava recebendo propostas para atuar na área.
    Minha reação diante disso tudo, meus pensamentos, minhas decisões, serão cenas do próximo capitulo.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Resumo de tudo

Boa tarde amigos...


Estou muito emocionada hoje devido a um e-mail que recebi de uma amiga da internet. Nos denominamos carinhosamente de Sobrinha e Tia. Ela escreveu o texto na época da minha formatura, mas só agora teve coragem para me mandar.







Vou compartilhar com vcs, pois não deixa de ser um grande resumo da minha história até aqui.

Grande abraço!


"Hoje é O DIA, o dia que me sinto livre pra desabafar, pra soltar meu grito, um grito preso a anos, não de um ou dois anos, mais pra mim é o dia que tenho vontade  de gritar VENCEDORA, como de um esportista q luta muito e consegue uma medalha olimpica sem ter a mínima condição humana para tal(condição q imaginamos q a pessoa n tenha). Muitos que vão ler isso dirão., Nossa, se formam médicos todos os anos, q mico essa tia coruja ta pagando, tem mais um tantão de pessoas q sofreram bastante pra conseguir se formar em medicina, n é fácil pra ninguém e acredito q n seja mesmo, mas a da minha menina é uma história e  tanto, história dura. Não foi falta de dinheiro, n passou fome, n teve q trabalhar nos horários que queria dormir e depois ainda ir pra facul, mas foi UMA LUTA. Querem saber como eu conheci essa história e entrei nela? Foi no dia q minha menina nasceu pra mim. Ela
nasceu pra mim  numa comunidade do orkut, conheci uma garota inteligente, estudante de arquitetura linda, meiga, com medo, com dores que eu n saberia descrever a  n ser pelos meus próprios conhecimentos de uma doença chamada depressão. Mas o caso dela n era só de depressão. A princípio era uma garota q como tantas outras havia desistido da vida por dores da alma q poucos entendem, eu entendia. mas fui conhecendo aquela menina meiga e descobrindo suas dores, seus traumas, seus demônios...era tudo muito maior do que eu conhecia como depressão, eu n entendia bem, mas já a amava o suficiente pra querer conhecer, saber e tentar ajudar. 

Sou péssiam em datas, ela pode dizer pra vcs com clareza em q ano foi, mas ela estava no primeiro ano de arquitetura e era muito fechada, n se abria, me add no msn depois de uma insistencia minha num post da comunidade.  Na nossa primeira conversa no msn ela Foi seca, dura e deixou claro q eu n conseguiria ajuda-la. A vida n fazia sentido, ela estava cansada e havia acabado de sentar na janela do quarto olhado pra baixo e cogitado se jogar ( poucos dias antes ela já havia tomado alguns comprimidos de rivotril e tentado o sucidio, graças a um psiquiatra bão pacas q ela tinha sim a culpa foi dele)e n tinha dado certo. Fiquei apavorada, tentei conversar, falar de Deus e se ela estivesse perto de mim eu apanharia, Deus era palavra proibida.
graças a DEUS consegui ir conversando e ganhando a confiança dela. Ela ligou para um amigo, suposto futuro namorado q foi até a casa dela e ficou com ela..n me lembro bem da ordem dos fatos.
Mas vcs devem achar muito bla bla bla....e tá mesmo.... Continuamos nos falando e a cada dia descobria novas coisas dessa menina q eu amava. Ela odiava a facul, ía por obrigação, odiava todos q estavam lá? não,  ela odiava estar lá.
Os pais n aceitavam ela sair da facul, mas ela odiava tanto aquilo, q se machucava, sim...se machucava de verdade, fisicamente. Com estilete, agulha, vidro, o q tivesse ela se cortava. Pulso, perna, braço...sangue era o q ela queria ver. Vcs devem pensar...INTERNEM... É LOUCA não, isso se chama cutting, ou automutilação um transtorno mental ou se alguns preferem de personalidade q faz com q as pessoas muito angustiadas se sintam aliviadas depois de verem o próprio sangue escorrendo, só q essa doença é perigosa, mal compreendida e causa vício,pelo bem estar q proporciona e leva a morte caso pegue uma veia.
Insisti muito pra ela procurar outro psiquiatra, se tratar, ter um diagnóstico lógico e fazer um tratamento. Ela n queria mas sou teimosa, n desisto fácil.... ou ela procuraria um tratamento ou me bloquearia e n falaria mais comigo, q era o mais provável...ela resolveu se tratar... 
Começou uma nova luta, muito mais dela do q minha, medicamentos, terapia, efeitos colaterais, vontade de desistir, choro, choro, cortes, e um sentimento enorme da minha parte de impotencia..ela a muitos quilometros de distancia. Eu no interior de sampa e ela no interior de minas. Como pegar ela no colo? como abraçar, salvar, queria toca-la, colocar no colo, proteger minha sobrinha.
Me dói muito falar disso tudo, das dores dela, da luta dela... Em meio de tantas conversas nossas ela me disse q gostaria de trancar arquitetura e tantar PSICOLOGIA(foi o q ela me disse)mas q os pais n apoiariam, ela já estava no final do segundo semestre do primeiro ano de arquitetura, e eles n apostavam muito nela, achavam q ela desistiria de tudo. 
Eu enfiei a cara, disse o q achava, insisti para q ela parasse o curso e fizesse um cursinho, fizesse vestibular no fim de ano pra PSICOLOGIA como ela me falava e se n passasse ela destrancaria  arquitetura e continuava o curso, seria seis meses de perda, ou um ano no máximo.
N sei como ela convenceu os pais e por seis meses falei pouco com ela, sabia q ela tava estudando pro vestiba e n tinha tempo. nesse tempo ela teve foco, e eu n importunei,fiquei a disposição, mas esperei o final do ano.
SURPRESA...ela chega e diz, tia acabei de fazer  matricula pro vestibular em MEDICINA...quase enfarteiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Do outro lado da telinha eu tava em choque...pensei...danou-se, seis meses de estudo passar em medicina? ela n consegue, n vai passar e vai pirar. Psicologia eu sabia q ela passava, mas medicina? pensei, ela n passa, se frustra e acaba com a vida literalmnente e eu vou ter q conviver com essa culpa.Eu tinha depressão e tomava medicamento também. Fiquie mal....e n falava no assunto. Quando saiu o resultado do vestiba e ela passou...Jesus....n acreditei e descobri ali uma ferinha, menina porreta como dizem os baianos, trem bão pros mineiros  e pra tia coruja ela era a minha sobrinha de coração, q eu amava tanto.
E assim termina tudo.... ah tá bom...aí começa outra luta.
Ela hoje é formada em medicina, mas durante os seis anos continuou convivendo com seus demonios internos e externos, professores e amigos de turma intolerantes, arrogantes e q gostavam de humilhar. ela aprendeu a se defender, também dava os pitis dela, DEFESA e muitas vezes AGRESSIVIDADE incontrolável. 

Os cortes n existiam mais, só a vontade, ela ainda tinha vontade de se cortar. Veio o conhecimento espírita pra ela e a oportunidade de conversarmos sobre Deus.
O espiritismo, a descoberta da mediunidade (ainda está mal resolvido pra ela isso) também foi problema. A descoberta íntima , aceitação, medo da felicidade, tudo mexia com ela.
Ela já n era mais a menina assustada, mas ela assustava as vezes os outros, n a mim, eu a conhecia até quando ela me contava o q ela achava de pior nela, eu já havia detectado e sabia q n era o pior dela, e ela se cobrava muito, cobrava dos outros, chorava em casa quando a agressividade aparecia.Eu fiz muitas preces, cresci também esse tempo todo.
Ela era minha sobrinha adotiva q puxava a orelha da tia, q ouviu o choro da tia no telefone, em crise depressiva, me acolheu, cuidou de mim...tudo muda, amadurece, cresce e minha tuti cuidava de mim agora.
Ela lutou muito contra si mesmo, nunca acreditava nela, e eu sempre acreditei, sempre soube q ela podia tudo o q queria, sabia mais q ela...porque sou tia, e o sangue grita. Aí vcs dizem, mas ela n é sua sobrinha de sangue... É SIM, o sangue q corre nas minhas veias é o mesmo q corre no dela, porque eu acredito que somos do memso grupo familiar de outras vidas, a genética um dia vai provar q existe vida após a morte, q a morte n existe e q nosso grupo familiar de outras vidas serão comprovadas biologicamente
.
Ela  é minha sobrinha nessa vida, pode ter sido minha filha, irmã, marido, esposa , em outra, mas somos co-sangíneas nessa de coração, de alma de vida e hoje meu grito, o q está preso na minha garganta ha anos é: FILHA..VC VENCEU MAIS UMA ETAPA E ESTOU COM VC EM TODAS AS OUTRAS Q VIEREM, MESMO Q EU NUNCA SINTA SEU ABRAÇO DE VERDADE, ESSE SENTIMENTO NINGUÉM ME TIRA.
Tenho orgulho de vc Dra, formanda em medicina com sangue, suor e lágrimas e vcs ouvirão muito o nome dela ainda. Um dia todo médico saberá quem é ela, ela será uma referencia, acreditem.
Seu convite de formatura nas minhas mãos agora me fez recordar tudo isso e escrever sem pensar, sem lógica, são flashs de memória, de vida, de anos de cumplicidade...Te amo pra sempre."

sábado, 5 de janeiro de 2013

Formatura de medicina

Enfim me tornei médica...

A formatura foi maravilhosa, como todos nós sonhamos durante esses 6 anos de dedicação na faculdade. Com direito a todos os requintes e luxo que se esperam de uma formatura de um curso de medicina.




Fiquei chateada com a ausência de algumas pessoas da família que não vieram, mas tudo bem, aprendi que família é quem se preocupa com vc o tempo todo o resto, é parente!


Exagerei na bebida, desregulei meus horários de sono e sabemos muito bem que não podemos sair da linha!!

Ainda nem tinha sido liberado meu diploma e meu CRM e as propostas de trabalho já estavam a todo vapor! Fui aprovada como médica do SAMU, cidades vizinhas com propostas de PSF, outras com propostas de hospital e pronto socorro, e uma proposta que me surpreendeu muito, meus amigos... Um professor da época do estágio de saúde mental, me indicou para ser médica do CAPS aqui, trabalhar com a psiquiatria!!

Estava ansiosa e confusa diante de tantas decisões a serem tomadas... Acabei optando por ficar na minha cidade mesmo, trabalhar no CAPS seria uma ótima oportunidade de tirar minhas dúvidas e saber se realmente seria a área da psiquiatria que quero seguir, caso gostasse, poderia iniciar minha especialiação logo. E poderia também assumir o SAMU, que sempre gostei de urgência e emergência e sempre foi meu sonho, coisa de criança..rsrs.. é numa cidadezinha a uma hora daqui. Daria pra conciliar as duas coisas.

Ia passar o reveillon na praia, cancelei minha viagem pois dia 01 já iniciava meu plantão no SAMU... chegando lá, fiquei muito decepcionada com a estrutura física do lugar... Deve ser a pior base do SAMU do Brasil, imaginei!
Uma casa velha, improvisada, tudo quebrado, sofás rasgados, quartos apertados e entulhados, a cozinha um nojo!! Toda suja e anti-higiênica.. Tive medo de entrar no banheiro... sem fechadura na porta, com uma trava improvisada, todo mofado, com um vaso velho, e um chuveiro, chão todo sujo, um fedor insuportável... Fiquei pensando como essas pessoas aceitam trabalhar nestas condições?? cheguei no quintal, onde ficam as ambulâncias, e tanques de lavar roupas que são utilizados para lavar os materiais, tudo fora dos conformes e com avisos da vigilância sanitária!




Fiquei assustada e desanimada de trabalhar naquele local, com aquelas condições. 





Enfim, fiquei aguardando a resposta do CAPS até agora e nada, essa época de mudança de prefeitura é complicada.. e as outras cidades me pressionando para fechar, então resolvi conversar com o professor que me indicou, e ele me aconselhou a não ficar esperando não, para não perder as outras oportunidades. Para fechar em outra cidade, terei que sair do SAMU... As vezes o que a gente decide não dá certo mesmo né, e a gente cria expectativas, e se frustra e começa a entrar naquele tão conhecido buraco... Será que terei capacidade para atuar como médica? Que Deus me proteja!!


Minha cabeça anda a mil, medo de na empolgação ter precipitado, não to conseguindo pensar em soluções nem tomar decisões. Venho tentando me equilibrar e ficar calma para optar pelas melhores decisões... Mas não tem sido fácil.... Espero não entrar em crise.



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

E os antidepressivos?

Bom dia amigos...
Ontem conversando com uma amiga, pude remeter minha memória ao passado..
Me enxerguei nela, com toda aquela angústia de efeitos colaterais!
Ela vem apresentando desânimo, falta de concetração, alteração do sono, já teve diagnóstico uma vez de fibromialgia tratada com fluoxetina (glória ao Pai!!!) kkkkk

E resolveu procurar um psiquiatra, que explicou a ela que fluoxetina é dos tempos da vovozinha (graças a Deus!) e a ofereceu o moderno e promissor antidepressivo Escitalopram.
Ela começou a apresentar muita sonolencia, a ponto de atrapalhar toda sua rotina e ela não poderia ter essa opção de sentir sono pois trabalha o dia todo e a noite faz faculdade.

O atencioso psiquiatra então sugeriu que ela trocasse pela Bupropiona, com certeza aumentaria o pique e a energia dela, sem falar no tão famoso ''viagra feminino''. A idéia pareceu muito boa e animadora....
Mas eles não contavam com mais um efeito colateral... desta vez minha amiga passou a ter insônia intensa, mesmo tomando o remédio bem cedinho conforme recomendado, pior, junto a isso, apresentou pesadelos terríveis, sonhos estranhos... Inicialmente não associou com a medicação, mas a persitência mesmo com mais de um mês usando, levou ela a desconfiar do tal remédio e tchan tchan tchan... lá dizia ser sim causado por ele.
E agora o psiquiatra começa a suspeitar de transtorno bipolar.............



Mas pq hoje eu estou relatando história que não é minha?
enfim, acho que aprendemos com qualquer que seja a história, dificuldade, alguém pode se identificar... tanto que abri um espaço para os leitores enviarem pelo facebook seus relatos, para que eu possa postar aqui também e interargimos...


Voltando ao assunto... tem a ver comigo também, pois me identifiquei com ela nos quesitos efeitos colaterais de antidepressivos!!!
 

É sabido que bipolares não devem usar antidepressivos, seja por piorar seus sintomas, seja pq não fazem efeito, seja pq pode causar ciclagem rápida.....

Mas hoje eu levanto uma questão diferente! Será que além disso tudo, é comum também os bipolares apresentarem mais efeitos colaterais de antidepressivos do que as demais pessoas?


Quero deixar bem claro que isso não é fonte científica, e nunca lí nada a respeito, é apenas uma observação quanto o que eu passei, que vejo algumas pessoas passarem e também já ouvi relatos de outros pacientes.
Será que algum dia isso pode se tornar um ponto a favor de mais diagnósticos?



Alguém tem alguma opinião? Alguma experiência própria?